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El Cid - Indumentária

Uma das séries mais faladas do momento, junto com o lançamento da última temporada da série Vikings, é sem dúvida, El Cid, do Amazon Prime. Nesta resenha, dividida em duas partes, vamos analisar a historicidade da indumentária presente na primeira temporada da série. Uma segunda parte, fará uma análise mais profunda acerca da série como um todo, observando os personagens, ambientação, combate, críticas sobre anacronismos, mas também, apontaremos dados positivos, de uma série que dividiu tantas opiniões.



Cores


O cinema possui uma grandiosa dificuldade em retratar o medievo em sua totalidade nos trajes históricos. Sempre retratam as roupas de forma muito genéricas ou “trabalhadas” demais para seu momento, não é difícil encontrarmos uma cortesã com cabelo e um vestido muito parecido com a Era Moderna ou Vitoriana.


O mesmo ocorre com as cores. A Idade Média não era cinza, marrom, preta, com todos abarrotados de lama, solidão e depressão, esperando apenas o fim de suas miseráveis vidas. Isso faz parte de uma construção social renascentista e eventualmente dos iluministas para legitimar diversos momentos da modernidade ou da “Longa Idade Média” como escreve Jacques Le Goff.


A série retrata algumas roupas com cores, o que já é uma evolução. Mas não seremos também otimistas – São apenas alguns trajes coloridos entre o populacho, não muitos.

As cores, muitas vezes são anacrônicas e totalmente distantes da realidade castelhana do século XI. Por exemplo: As cores são totalmente destoantes da realidade. Há um uso desmedido de roupas pretas. Basta observar rapidamente nas iluminuras para perceber o erro crasso. Além disso, há um uso desmedido, muito comum nas obras de televisão, de couro sintético. Este erro, por sua vez, chega até a ser pior.


Urraca, uma das princesas e um personagem histórico, usa um longo vestido de estilo brial, da cor branca. A Princesa de Castela e Leão estava de luto? Branco era uma cor de luto. Quanto ao torneio, em momento oportuno abordaremos.


Anacrônico, fantasioso e com cores impróprias para a ocasião.

Coifas, Mantos, Botas e Vestimentas Longas


Muito foi observado durante a série, o uso de trajes longos, comumente até a altura do calcanhar, no estudo dos trajes espanhóis medievais, o traje talar. Temos também grande uso de roupas briales, ou seja, uma roupa longa, muito similar a túnica medieval, que chega aos calcanhares, porém possui mangas estreitas e ligeiramente largas quando se aproxima das mãos. Não eram vestes comuns. Eram roupas caras, principalmente as vestes briales, ou seja, era típica de reis e nobres.


Outro ponto a ser observado, é exatamente o aspecto das roupas. Todo cidadão do populacho e até algumas roupas nobres, possui uma apresentação estranha e até esfarrapado.


Um aspecto positivo da série, é que não encontramos; o que não significa que a série não tenha, ou nos passara despercebido; foi a inexistência do uso de botas. De acordo com os rigores históricos, este é um ponto positivo. Observando as iluminuras do período, temos geralmente o clássico sapato medieval, que pode ser usado de cano mais alto ou mais baixo, mas não é uma bota. Em muitos filmes, costumam usar botas modernas e até contemporâneas, ignorando por completo os artigos de calçados históricos.


Importante mencionar também um pequeno detalhe: Já podemos ver algumas mulheres usando lenços na cabeça. Por outro lado, da mesma forma que aparecem com alguns lenços, em uma cena, podemos ver uma mulher no feudo com grande decote, quase desnuda. Uma visão fora de contexto em pleno Reino de Castela no século XI.


Coifas sempre estão atreladas a um camponês sofrido, geralmente velho ou todo desnutrido, sem nenhuma perspectiva de vida. Em El Cid, não é diferente. Simplesmente neste caso, não deveriam ter coifas. Os mantos, estavam sendo usados em qualquer ocasião. Não é uma peça barata e além: mantos medievais deste período levavam a pele pela parte de dentro e não tinham capuz.


Além disso, encontramos roupas inventadas, com bom exemplo quase toda roupa usada pelo avô de Rodrigo Días, inclusive um traje paramilitar que pareciam ter pequenas cotas de malhas pintadas de preto, outros trajes misturam alguns períodos e chegam inclusive, a criar uma nova moda castelhana do século XI. Os principais trajes castelhanos da época eram: Túnica masculina (gonela), o vestido no estilo brial, túnicas com mantos, mantos e a Almexia, roupa que pode ser usada sobre as túnicas, gonelas e até nos vestidos briales.



Mouros


O Taifa de Saragoça dá um novo ambiente a série, mudando quase que dá “água para o vinho” na ambientação. Se de um lado, temos uma sociedade feudal cristã católica apostólica romana, do outro temos um modelo islâmico de um Taifa na Península Ibérica, sob a dinastia de Banu Hud. Era imperioso que a série mostrasse dois mundos diferentes e assim o fez, mesmo que com suas ressalvas.


Desta forma, encontramos alguns apontamentos: o islâmico assim como o cristão, abarrotado de estereótipos típicos das produções de televisão, uso incorreto de peças de roupa como a própria Almexia, que existia na época dos fatos, tanto em Castela como nos Taifas mouros, com a peça de roupa chamada “al-mashjia”.


O vestuário básico, comumente encontrado em cenas urbanas e dentro das cortes dos Taifas em Al-Andalus, era a túnica aljuba, uma túnica folgada, grande, que geralmente descia até os pés. Tem uma influência direta do Oriente Médio, de Bagdá. Chegou no mundo islâmico da Península Ibérica por meio do poeta Ziryad no século IX. Na parte rural, o uso da aljuba seria inviável. Portanto, observamos um campesinato mouro com as túnicas curtas, para efetuar as tarefas com melhor mobilidade e para evitar o acúmulo de sujeira nas vestes. O mesmo se aplica para a guerra e caça.


Outro ponto importantíssimo, os mouros do século XI de Saragoça não usavam turbantes, artigo de traje restrito e característico dos mercenários berberes. Vai se popularizar apenas na época da dinastia Almorávida. Um artigo de chapelaria típico da era de Banu Hud era exatamente o qalansuwa, ou seja, uma espécie de gorro que cobre parte da cabeça. É um artigo facilmente em contraste com o turbante. Além disso, trabalhos artísticos que representam a época, o caixão de Leyre, datado de 1004, mostram uma realidade dos mouros bem diferentes do que a cultura popular está acostumada.



Desta forma, observamos que a série contém muitos erros típicos do mundo cinematográfico. Nós do História e Combate Medieval buscamos apresentar as melhores formas para fazer com que o leitor entenda melhor o contexto medieval em que a série está inserida – Dois mundos diferentes: o cristão castelhano e o mouro andaluz, que muitas vezes vão interagir diretamente e sem estas relações culturais, religiosas e cotidianas, seria impossível entender o contexto da Península Ibérica do século XI.


Entender o contexto, as peculiaridades do mundo medieval da Península Ibérica, nos permitem ter uma relação melhor com cada produção em que compreendemos: Estudando as roupas de nobres e camponeses, suas finalidades e simbologias, utilidades e adornos.


Qualquer tipo de produção cinematográfica nos permite, pelo próprio ofício do historiador e de um amante do conhecimento histórico, efetuar os devido apontamentos, com o devido respeito à produção artística e não devemos esquecer nunca, da memória, da história e da veracidade autentica das sociedades em estudo, no caso aplicado, os castelhanos, leoneses, navarros e aragoneses e os mouros andaluzes de Saragoça. Foram vidas, memórias a serem mantidas e o estudo e o pensamento crítico histórico deve ser mantido com rigor.

Fernando I de Leão, Sancha I de Leão, Ramiro I de Aragão e o Bispo Bernardo.


Referências Bibliográficas


Bernis Madrazo, Carmen: Indumentaria Medieval Española, Instituto Diego Velázquez, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, CSIC, 1956;


Hernández Pérez, A.: Astrolabios en al-Andalus y los reinos medievales hispanos, Madrid, La Ergástula, 2018;


Opus Incertum Hispanicus - Indulmentarias y costumbres en la España;


Sousa Congosto, Francisco de: Introducción a la historia de la indumentaria en España. Ed. Istmo, 2007.

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